UM



Qualquer coisa que olhemos, para qualquer objeto que apontemos, de tudo diz-se que é...

...é o parque, é a pessoa, é a vida! Tudo é...

...mas você sabe o que é o "é"?

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Quem não é você

                         
A vida é uma continuidade vivencial.
Você, caro leitor, pode dizer que começou a ler este texto, mas não podes dizer equilibradamente que a atividade que exerces agora se destaca da vida que lhe compete, toda a sua escalada vivencial converge para o que fazes agora, no modo como o fazes!
O ato de unir as palavras e aliá-las aos significados de sua mente é uma habilidade construída de suas interações escolares, a rede de significados de que consiste parte disto que chamamos mente, são produtos de tuas experiências vivenciais desde o seu nascimento físico até agora, experiências que são fragmentos não destacáveis da continuidade vivencial que carrega a todos nós.
Onde estás agora? Se estás te sentindo seguro ao ponto de poder ler estas palavras, é porque podes reconhecer satisfatoriamente quem és, de onde vieste, como chegou onde estás, por que lês, onde deves ler, este texto, e todas estas respostas podes tê-las na velocidade imediata em que terminas de compreender cada uma destas indagações. Toda a vida que viveste até agora converge, de modo crucial, para o que fazes agora e decide como fazes o que fazes presentemente.
Há, portanto, um amálgama, um fluido, algo enfim, que se preserva inatingível e que, lhe permeando enquanto vives, carrega tudo que acreditas ser, carrega tua consciência de ti próprio para o presente momento. Mas, se vês e acreditas existirem os outros, aqueles que agem independentes ou alheios a tua própria consciência, poderás vislumbrar que esta entidade misteriosa que se pode sentir, mas não se pode apontar tal como objeto, não apresenta fronteiras, fronteiras que, por sua vez, são com o que lidamos quando estamos a pensar.
Mas, se estás a ler este texto é porque acreditas haver esta fronteira um tanto incerta do que és e daquilo que é o outro ou os outros. Acreditas haver uma parte deste contínuo-vivencial em tudo penetrante que é reservada somente a isto que chamas eu, sua intimidade, pensamentos e sentimentos, lembranças, significados e compreensões.
Da mesma forma, deves reconheces competir a cada um desses demais seres humanos que lhe aparecem no terreno comunitário da vida – no qual estou incluso -, uma respectiva intimidade consciente. E é justamente neste convívio comum dentre nós, onde aparecemos uns aos outros enquanto corpos de carne, que se revela a dualidade de pulsões a que nos impele este contínuo pulsar que é a vida.
Esta fronteira imaginada e largamente acreditada socialmente dentre eu e você, inexiste rigorosamente quando pensamos sobre esta continuidade que faz-nos todos viver e que, assim, nos possibilita a permanente construção disto que autoriza, à cada qual, significar “eu mesmo”. O que é este arranjo de palavras senão uma invasão da minha compreensão às tuas? O que pretendo aqui senão adentrar em tua intimidade e provocar erosões em teus significados para provocar-te nova visão acerca disto que é a vida que vives?
Esta fronteira sobre o que me compete poder fazer e o que não sou capaz de fazer nesta ação textual, não depende de mim exatamente, depende de você deixar que eu faça ou não! Até aqui, estás a amar mais as tuas já adquiridas compreensões ou a compreensão aqui suscitada? Defendes o que agora, aquilo que teus significados te dizem que és, ou a infinita possibilidade presente de poder reformar tuas compreensões? Agora, estás tentando enxergar os teus limites ou o teu não limite? Decides assim, onde pulsas agora, na morte, na limitação de si, ou na vida, na reformulação de si.
Você, ó infinda possibilidade, na posse disto que chamas de “eu”, frente aqueles mais ou menos independentes da intimidade sua, aos quais chamas de outros, pega-se a unidade que reúne paradoxalmente esta dualidade vivencial. Quando você defende, prefere aquilo que acreditas ser, você mata as possibilidades de reforma que os ditos outros lhe proporcionam, e assim mantém vivas as regiões, ou alguma região, de tua morada íntima. Da mesma forma, se te permites pulsar na vida e abrir-te às transformações que os outros te suscitam, fazes viver a pertinência das possibilidades transformadoras que a vida lhe traz pelos outros e, conseqüentemente, começa a promover a destruição de alguma paisagem íntima que construíste para ser você.
Nesta situação vivencial que a todos nós carrega e que nos põe juntos a viver, vimos que, muito embora, cada um possa construir sua peculiar consciência, não se verifica fronteira entre o que sou e o que é o outro. Ainda que possamos enxergar-nos em corpos físicos unitários, balbuciamos sons compreensíveis, estabelecendo trocas de idéias, que são impressões íntimas sobre o que se vive, construímos casas e carros, construímos a sociedade e o estado, construímos cultos e contra-cultos, e isto tudo que construímos uns para os outros no e para o convívio uns com os outros, nos molda a construção individual da personalidade consciente respectiva de cada um de nós.
Se assim sustentamos pois, não poderemos afirmar que cada um de nós é o seu respectivo constructo consciente. Tal constructo competente a cada um de nós, é o que surge da tensão interativa dentre, digamos, a abertura vivencial que sou, frente às Iguais aberturas de vida que vocês outros o são individual-respectivamente. Uns frente aos outros, todos porta-vozes da vida, torna-se claro sermos as possibilidades de construir e, portanto, de fazer viver as personalidades pelas quais apresentamo-nos uns aos outros. E é esta comunhão de vida o alimento incessante de tua morada consciente, aquilo que te autoriza dizer: “eu mesmo”.
Neste sentido, podemos vislumbrar o que somente podemos dizer de um paradoxo, ou de uma proporção. Vejamos a situação presente: podemos dizer que, provavelmente, este texto é o alimento do que estás a pensar agora. Porém, se, na contrapartida, não estiveres prestando a devida atenção, ou tiveres perdido “o fio da meada”, significará que o texto presente não é aquilo de que te alimentas presentemente, sua atenção desviou-se, e às vezes com tal dança isto se opera, que nem notas não estar fazendo mais aquilo que começou a fazer.
Você que sente presentemente estas palavras, não somente bebe da fonte da vida, sendo a vida a comunhão dos vivos, ó vivente, também és bebido, és alimento àqueles aos quais chamas de outros, e é esta situação que te permite construir aquilo que chamas de eu. Teus comportamentos, os quais definem sua vida na posse deste veículo carnal, é alimento para e alimentado pelos teus irmãos humanos. Teus significados, teus modos de se portar à rua, à mesa, nos espaços sociais todos, até mesmo nos teus espaços físico-individuais, tiraste todos eles dos outros humanos, daqueles que te educaram, das tuas amizades, de teus círculos sociais enfim. E quando, presentemente, utilizas estes parâmetros culturais, torna-te alimento àqueles outros que, possivelmente, te cercam. És moldado e moldador simultâneo. Nesta incessante construção que chama “eu”- e que não é precisamente você mesmo – mora sua peculiaridade personal, a qual é dada pelas parcialidades de que te alimentas, os outros, de onde se segue que ela apresenta-se também como parâmetros parciais – alimento - a estes outros.
E se pensamos neste conjunto de viventes que formamos parcialmente, a humanidade, em contraste com os demais viventes da Terra, verificamos a mesma situação, não só nos alimentamos destes outros viventes com os quais convivemos no meio Terrestre, também defecamos, respiramos, cultivamos nossos alimentos, construímos nossas facilidades, e isto tudo que fizemos e estamos a fazer também é alimento – ou veneno – aos nossos diversos irmãos viventes Terrestres, nossa presença tanto quanto é moldada pelo meio que nos sustenta, é também moldadora deste meio de vida.
E se penso na individualidade consciente por que posso dizer “eu mesmo”, posso ver que a vida que sou é também alimentada por esta zona consciente íntima que me compete. Meu corpo me persuade do segredo de minha intimidade, meus pensamentos definem minha visão acerca do que meus sentidos físicos me mostram, meus sentimentos trazem a força do que minha mente pensa sobre aquilo que está circunstante ao meu corpo físico.
Mas ainda assim, é você vivente que detém a decisão de alimentar, de prestar atenção, de satisfazer-se presentemente com o que teus pensamentos te dizem ser, ou não. Se consente, prestas força viva a esta forma de compreensão que preside em tua mente agora, e, conseqüentemente, autorizas o sentimento que carrega tua paisagem pensante desta compreensão, e se agires fisicamente em conformidade com tal compreensão, alimentarás mais ainda esta região da complexidade mental-sentimental que jaz nas tuas estruturas íntimo-conscientes.
Isto quer dizer que até mesmo estas tuas estruturas íntimas, que estão para dentro deste teu corpo de carne, são vidas outras que se moldam, moldando-te a personalidade consciente. Isto fica patente quando moldas, na mente que lhe compete, pensamentos que mostram tua decisão de mudar algum comportamento que construíste para te manifestar íntima e comunitariamente: você decidiu matar uma parte de sua consciência porque entraste em crise com tal paisagem comportamental, porém, sentirás a força e a conveniência de tal comportamento por ainda um apreciável espaço vivencial. Aí, verás nítido que não basta somente pensar em mudar e pronto, já estás mudado, a vida íntima que estruturaste te empurrará, nos momentos adequados, à repetição daquele comportamento que não queres mais para você que vive, diz-se da magia do costume, entrarás em luta com esta parte de você consciente que, até há pouco, alimentava sem questionamentos auto-críticos.
Você vivente é a força viva que, em comunhão com as forças parciais que são os outros Iguais, arregimenta as ferramentas da tua manifestação vivencial, a tua construção mental, sentimental, físico-comportamental, enfim, teu modo de viver, o qual, assim, define que parcialidades – que alimento – te tornas aos outros irmãos da viva comunhão. 
Uma frase imediatamente inspiradora deste texto, que ocorreu para nós – eu e minha tosca construção “Renê”: “Desafio humano não é ter amor, é saber como manifestá-lo, para que ele possa se intensificar.”
Este modo de vida que amaste e que amas, o qual construíste para ser o teu viver consciente, tanto íntimo, quanto comunitário, decide como demonstras o amor que lhe compete, e esta demonstração, que é a mostra contínua de quem você é presentemente, decide a intensidade necessária do amor a emanar de ti, para que assim possa manter vivo os presentes comportamentos por que te mostras, por que alimentas os outros.
Operarás contínua intensificação do amor que emana de ti consciente, quando, ao menos, te predispores a olhar e agir perante a vida, isto é, diante destes outros, que vimos não serem somente os irmãos humanos, em nome desta realidade ininterrupta que, paradoxalmente, de tão concreta, é a maior sutileza do existir, que permeia todas as coisas.
Talvez, tão logo você pare de se ater a esta atividade literária, o que fizeste viver frente aos alimentos que te forneceram e fornecem os outros viventes, te persuadirá a voltar ao lar dos teus significados e compreensões, onde está tua comodidade sentimental, conjunto íntimo dos hábitos comportamentais da tua vida. Tudo isto, a tua construção consciente, é resultado do que viveste e como viveste até agora, e é simultânea causa do que agora vives, como vives. Teu “eu mesmo” é resultado dos alimentos que os demais vivos te ofereceram, de quais te alimentastes? Teu “eu mesmo” é causa dos alimentos que os demais vivos te oferecem hoje, quais estás escolhendo para te alimentar presentemente?
É inescapável, em todas as ocasiões vivenciais, ontem, hoje e amanhã, o que estás fazendo sem cessar é esta paradoxal atividade auto-construtiva, sendo o palco perpétuo deste espetáculo estavelmente transformante a tua consciência de si, cujas paisagens todas, revelam-te aqueles incontáveis outros Iguais, que te alimentam, alimentando-se, em simultâneo, da força viva que és.
És preso à participação, és livre na tua manifestação participativa.
Alcançamos compreender quem somos tirando as roupas culturais que nos envolvem e que nos enchem de definições parciais, chegamos numa abstração! Porém, a vida que somos toma concreta e vividamente estas nossas consciências por que nos cremos, e por isso cremos firmes nestes “eus mesmos”, por isso, moram grandes desafios nos vivos movimentos a que estamos sujeitos vivendo, não fomos educados a aceitar a ignorância de nossos limites comportamental-conscientes, fomos educados a orgulharmo-nos destas consciências.
Vemo-nos consciências enquanto somos seus infinitos criadores!

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